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Após 20 anos, serviço público ainda não se adequou à Constituição de 1988
Eduardo Ribeiro de Moraes - 16/08/2008 - 11h03
A Constituição Federal, promulgada em 1988, estabeleceu que os serviços públicos somente devem ser outorgados por meio de licitação. Desde então, a administração pública vem tentando se adequar ao novo procedimento.
Em alguns setores, como o das telecomunicações e o elétrico, as concessões já utilizam o processo licitatório, enquanto outros, como o do saneamento, dos ônibus e das franquias postais, ainda têm sua legitimidade prejudicada por outorgas precárias.
Para debater o tema, a SBDP (Sociedade Brasileira de Direito Público) promoveu em julho o seminário “A Nova Fase da Reforma Regulatória”, no qual foi discutida a situação de alguns setores do serviço público que vêm sofrendo para se adequar à norma constitucional, desde 1988.
O jurista Carlos Ari Sundfeld, presidente e fundador da SBDP, resumiu as conseqüências deste hiato entre a realidade e o desejo da Constituição Federal. “As empresas querem sobreviver, e o poder público sofre para administrar a transição”, disse.
São consideradas precárias as outorgas de serviços públicos decorrentes de disposições legais diversas da constitucional, ou seja, são aquelas onde a concessão se deu sem a realização de prévio processo licitatório.
Adequação
Como parte do processo de reforma regulatória, foi elaborada a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, conhecida como Lei das Concessões. O texto estabeleceu o sistema de regularização do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.
Em janeiro de 2007, a Lei 11.445 fez várias alterações na Lei de Concessões, dentre as quais, instituiu um prazo para que as outorgas, em vigor de forma precária, se adequassem ao estabelecido pela Constituição de 1988.
Nesse sentido, o artigo 42, que trata da validade das concessões outorgadas anteriormente à entrada em vigor da Lei 8.987/95, recebeu o acréscimo do parágrafo 3º, que instituiu um prazo derradeiro para a adequação de todo o sistema.
Em outras palavras a alteração determinou que depois de 31 de dezembro de 2010, nenhum serviço público pode ser prestado sem que a outorga se dê por meio de prévio processo de licitação.
A tarefa de proceder à transição dos sistemas de outorga tem natureza complexa, pois, além da elaboração de um novo sistema, existem outros aspectos a serem considerados, como a compensação dos antigos concessionários que deverão ser substituídos e, em certos casos, até mesmo indenizados.
Sobre a questão, a organizadora do seminário, Vera Monteiro, advogada e coordenadora do curso de especialização em direito administrativo do programa de educação continuada em direito da FGV-SP, ressaltou que, em decorrência do disposto na Constituição, “não se pode explorar serviço público por meio de ato precário, sem licitação”.
Posição do STF
A advogada informou que o STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4058 de 2008, que tem como relator o ministro Carlos Ayres Britto e alega haver inconstitucionalidade na Lei 11.445. A base do questionamento da ação é a inexistência de respaldo constitucional para a prorrogação do prazo de adequação.
Ela explicou que se a Constituição estabeleceu a nova forma de outorga dos serviços públicos, pode-se considerar inconstitucional uma lei que venha estabelecer um prazo para execução de uma norma que já deveria estar em pleno vigor.
A matéria já foi examinada pelo Supremo, por meio do julgamento das ADIs 3521/06 e 2716/07. O ministro Eros Grau foi o relator das duas ações e o entendimento externado pela Corte em ambos os casos foi o de que não há respaldo constitucional para a prorrogação desse prazo.
Vera Monteiro disse estar intrigada com o destino da questão. “Será que o Supremo, novamente, vai julgar a matéria inconstitucional?”, indagou.
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